Quais são os contornos, as cores, ou as figuras que podem assumir a sonoridade de uma cantiga medieval? E quais são os espaços, estruturas ou recintos capazes de conceder-lhe lugar? As questões suscitadas pelo trabalho da pesquisadora Bárbara Dantas são capazes de atribuir ainda mais valor a uma obra como as Cantigas de Santa Maria de Afonso X. Sua agudeza de espírito transparece nesse projeto a partir das doses adequadas de paixão e habilidade, dedicação e método. O resultado não poderia ser outro: clareza e coerência.
Um acento heideggeriano leva-nos a esperar que uma obra de arte faça-nos ver um mundo que se abre diante de nós, mas a aproximação da literatura com a pintura e do desenho com a arquitetura leva-nos a traços, tons e disposições que nos fazem perceber um itinerário sinuoso por um ambiente fronteiriço. Tal intuição deve-se, sobretudo, ao comprometimento e à inclinação da pesquisa. A partir dos aspectos literários, sua análise e interpretação das Cantigas conduzem-nos pelos componentes peculiares da arquitetura.
Para apreendermos o teor poético e simbólico dos modos característicos de habitação dos personagens, somos norteados pela afluência das linguagens artísticas; pela sintaxe dos valores pictóricos e pela semântica da estrutura arquitetônica, bem como pelo arranjo dos versos e pela tonalidade das rimas. Em tal convergência o códice afonsino deixa-nos ver toda a sua economia, pois a problematização proposta pela autora não permite que o debate se fixe nos contornos do discurso religioso ou se esgote nos procedimentos historicistas, mas tem o intuito de fundar de um modo mais abrangente, como nos ensina Marie-José Mondzain acerca dos ícones da cristandade, certa verdade intrínseca à imagem.
Se acompanharmos o tom profundamente antropomórfico de Nietzsche ao considerarmos belo tudo aquilo que nos devolva a imagem, certamente os apreciadores da história, da cultura e da arte medievais serão os primeiros interessados num livro como esse, mas qualquer admirador da beleza e adepto da sensibilidade certamente encontrará reflexo nesta interessante e prazerosa leitura.
 
Prof. Dr. Alexandre Emerick Neves
Centro de Artes – UFES